segunda-feira, 18 de março de 2013


manhã infernal.

mãe, não consigo despir a camisola do pijama”. respondo “já vai, pedro, por favor…” enquanto tento vestir o joão em movimento (dou graças a deus pelas fraldas-cueca todas as manhãs). não podia ter começado pior: a água fria do chuveiro que nunca passou a quente. “tenho a certeza que paguei esta merda, pá!”.

enfio as calças ao joão e vejo o pedro a tentar vestir a manga da camisola pela cabeça “não consigo. ajudas-me?”. expludo. torno-me a pior mãe do mundo e descarrego todo o meu fel de medeia. pego no mais pequeno ao colo, grito uma ameaça ao mais velho “ou te vestes ou ficas sozinho em casa, não espero por ti!” e chego à sala. o cão está escondido, em pânico, atrás da mesa. tem o cone da vergonha na cabeça e permanece imóvel. adivinho a tragédia, sento o joão na cadeirinha e deparo-me com um lago de xixi, que vai do sofá ao armário da televisão. urro. insulto. ameaço. meto o cão na parte de fora da casa e desabo quando me apercebo da extensão do mijo.  subo a escadas a correr, a chorar, farta, cansada, e entro no quarto do pedro, que ainda não se calçou. fel de medeia outra vez. atiro-lhe umas botas ao chão e deixo-o com lágrimas nos olhos. “nunca me ajudas” acuso. “não gostas de mim, não podes gostar. pedi-te ajuda, pedi-te que me ajudasses e tu nunca, mas nunca me ajudas”, desabafo em lágrimas.

desço. pego no balde e limpo o xixi do cão. aqueço os leites no microndas, acedo o bico do fogão, que não tem mesmo gás, ligo a televisão e percebo que estou mais atrasada que o habitual. continuo aos berros, com o mundo, com o cão e vejo o joão a fazer gracinhas, a dar risadas, não vá a minha ira ser contra ele. o jake e os piratas da terra do nunca recolhem os seus dobrões de ouro enquanto limpo a asneira canina. dou a papa ao joão (até faz nham-nham), o pedro desce. “vais beber o leite na cozinha” ordeno-lhe, em modo de medeia. ele chora. “não chores! tu não me chores!!” grita a medeia. acalmo-me. ponho-lhe as mãos nos ombros e tento falar com ele, explicar-lhe o de sempre. “olha para mim, olha para os meus olhos quando falo contigo”. ao minuto dois da conversa, ele desvia o olhar. “o que é que te disse!? o que te pedi quando começamos a falar!? o quê?!” a medeia dá-lhe três palmadas da cara, a terceira já com alguma força e aperta-lhe o nariz. está ao rubro da sua fúria, pronta para o abanar, em plena desorganização mental. “não gostas de mim”, diz, por fim, exausta. “gosto sim!” ouço-o dizer, aos soluços. o drama instalou-se. o drama exaure. “eu sei. eu também te adoro. desculpa a mãe. desculpas?”.

saímos os três de casa. o pedro leva a mochila do joão, ajuda-me finalmente. entramos no carro, guio até à escola e levo-o ao portão numa corrida. faço-lhe uma festa na cabeça e corro escadas abaixo. entrego o João à educadora e sinto-me um lixo.

vou passar o dia inteiro a sentir-me assim, uma merda, de coração fisiologicamente apertado, leve dor de cabeça, olhos cansados, a sentir-me feia, pequena. a medeia leva-me as forças, suga-me o sangue mas faz-se sentir poderosa naqueles momentos tão vis e tão comuns.

a meio da manhã lembro-me “foda-se, desliguei a merda do bico do fogão ou não?!

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